areias de Marte
Mineração nas areias de Marte... e em outros mundos
Trudy E. Bell - Dr. Tony Phillips - 01/03/2005
Imagine esse cenário. O ano é 2030 ou pouco mais. Seis meses depois de partir da Terra, você e vários outros astronautas são os primeiros humanos a pisar em Marte. Você está sobre um mundo desconhecido, com poeira vermelha sob seus pés, olhando ao redor para um punhado de equipamentos de mineração, levados anteriormente por sondas robóticas.
Ecoando em seus ouvidos estão as últimas palavras do controle da missão: "Sua missão é retornar à Terra - se possível utilizando combustível e oxigênio que você irá minerar nas areias de Marte. Boa sorte!"
Parece bem simples, minerar matérias-primas de um planeta cheio de areia e rochas. Nós fazemos isso aqui na Terra, porque não poderíamos fazê-lo em Marte? Mas não é tão simples quanto parece. Nada que se refira à física granular é simples.
Física granular é a ciência dos grãos, qualquer coisa entre grãos de milho, de areia ou pó de café. Essas são substâncias comuns do dia-a- dia, mas elas podem também ser incomodamente difíceis de se prever. Num momento elas se comportam como sólidos, a seguir se comportam como líquidos. Considere um caminhão basculante carregado com brita. Quando a caçamba começa a se inclinar, a brita permanece como um monte sólido, até que se atinja um certo ângulo, quando ela repentinamente se transforma em um rio de rocha.
Entender a física granular é essencial para projetar e construir equipamentos industriais para lidar com grandes quantidades de pequenos sólidos - como as finas areias de Marte.
O problema é que, mesmo aqui aqui na Terra "fábricas não trabalham otimamente porque nós não entendemos as equações para materiais granulares tão bem quanto nós entendemos as equações para líquidos e gases," afirma James T. Jenkins, professor de mecânica teórica e aplicada da Universidade de Cornell, Estados Unidos. "É por isto que as termelétricas alimentadas por carvão operam a baixa eficiência e têm altas taxas de falhas quando comparadas com aquelas alimentadas por óleo ou gás."
Logo, "será que nós entendemos o processamento granular bem o suficiente para aplicá-lo em Marte?" pergunta ele.
Solo de Marte em 3D, fotografado pelo robô Spirit em 2004. Ponha seus óculos 3D (uma lente azul e outra vermelha) e dê uma olhada. |
Vamos começar com a excavação: "Se você cava uma trincheira em Marte, quão inclinadas podem ser as laterais para que elas se mantenham estáveis sem desabar?," preocupa-se Stein Sture, professor de engenharia civil da Universidade do Colorado, Estados Unidos. Não há uma resposta definitiva, pelo menos até agora. A sobreposição de solos friáveis e rocha em Marte ainda não é bem conhecida.
Alguns dados sobre a composição mecânica dos primeiros metros de profundidade do solo marciano podem ser adquiridos por radares capazes de penetrar o solo ou por outros equipamentos de sondagem, destaca Sture, mas vá um pouco mais fundo e você "provavelmente precisará coletar amostras." A sonda Phoenix, que deverá descer em Marte em 2008, será capaz de cavar valas de cerca de meio metro de profundidade; o Laboratório Científico de Marte, que chegará lá em 2009, será capaz de cortar pedaços de rocha. Ambas as missões deverão fornecer esses dados adicionais.
Para ir ainda mais fundo, o Dr. Sture está desenvolvendo escavadeiras inovadoras cujas extremidades vibram no solo. A agitação ajuda a quebrar ligações coesas que mantêm o solo campacto e podem ajudar a diminuir o risco de deslizamento. Máquinas como essas um dia poderão também ir para Marte.
Escavadeiras em Marte poderão utilizar vibração para escavar o solo. |
Outro problema são os "funis" - utilizados pelos mineiros para guiar a areia e a brita para correias transportadoras que as levam para processamento. O conhecimento do solo marciano será vital para se projetar os funis mais eficientes e que requeiram menos manutenção. "Nós não entendemos porque os funis entopem," afirma Jenkins. Entupimentos são tão freqüentes que, "na Terra, cada funil tem um martelo nas proximidades." Batendo-se no funil elimina-se o entupimento. Em Marte, onde haverão apenas algumas poucas pessoas próximas ao equipamento, é necessário que os funis funcionem melhor do que isso. Jenkins e seus colegas estão pesquisando porque os fluxos granulares travam e paralisam os funis.
E então há o transporte: os robôs Spirit e Opportunity tiveram poucos problemas andando milhas ao redor de seus pontos de pouso desde 2004. Mas esses robôs têm apenas o tamanho de uma mesa de escritório e o peso de um adulto. Eles são carrinhos de feira comparados com os enormes veículos possivelmente necessários para se transportar toneladas de areia e rocha marcianas. Veículos maiores terão problemas também maiores quando tiverem que circular por lá.
Sture explica: desde os anos 1960, quando os cientistas começaram a estudar a possibilidade de que jipes alimentados por energia solar fossem utilizados para o transporte de areia na Lua e em outros planetas, eles calcularam "que a pressão contínua máxima de rolagem sobre o solo marciano é de apenas 90 gramas por polegada quadrada (90 psi)," especialmente quando subindo ou descendo ladeiras. Esse valor tão baixo foi confirmado pelos robôs que estão em Marte.
Concepção artística do robô marciano Spirit. Ele e seu irmão gêmeo, Opportunity, estão andando em Marte desde Janeiro de 2004. |
Uma pressão de contato rolante de apenas 90 psi "significa que um veículo terá que ser muito leve ou terá que ter uma forma de distribuir efetivamente sua carga em muitas rodas ou trilhos. Reduzir a pressão de contato é crucial para que as rodas não afundem no solo fofo ou quebrem pequenas placas de solo compactado, parecidas com o gelo formado depois de uma nevasca, e fiquem atolados.
Essa exigência implica que, para que um veículo seja capaz de transportar cargas pesadas - pessoas, equipamentos e abrigos - ele deverá ser "uma coisa gigantesca, à la Fellini, com rodas de 4 a 6 metros de diâmetro," afirma Sture, referindo-se ao famoso diretor italiano de filmes surrealistas. Ou ele deverá ter gigantescas esteiras metálicas, algo como um cruzamento entre as escavadeiras utilizadas na Terra e o jipe utilizado na Lua durante o programa Apollo. Ou seja, veículos sobre lagartas parecem ser os mais promissores para transportar grandes cargas.
Um sistema experimental ("Elastic Loop Mobility System") que poderá operar em mundos com solo arenoso como Marte e a Lua. |
Um desafio final com que se defronta a física granular é descobrir como manter os equipamentos funcionando sob as tempestades de areia de Marte. Tempestades marcianas sopram poeira fina através do ar a velocidades de até 50 metros por segundo (180 quilômetros por hora), desgastando qualquer superfície exposta, entrando em cada fresta, soterrando estruturas naturais ou construídas pelo homem e reduzindo a visibilidade para poucos metros ou menos.
Jenkins e outros cientistas estão estudando a física do transporte eólico de areia e poeira sobre a Terra, tanto para entender a formação e a movimentação de dunas em Marte, quanto para verificar quais locais para eventuais habitats estarão melhor protegidos dos ventos incessantes (por exemplo, no lado protegido de grandes rochas).
Voltando à grande questão do professor Jenkins, "nós entendemos o processamento granular o suficiente para fazê-lo em Marte?" A preocupante resposta é: nós ainda não o entendemos o suficiente.
Trabalhar com um conhecimento imperfeito na Terra não traz maiores problemas porque, normalmente, ninguém sofre muito por causa dessa ignorância. Mas em Marte, a ignorância poderá reduzir a eficiência ou, ainda pior, impedir que os astronautas minerem oxigênio e hidrogênio suficientes para respirar ou para ter combustível para seu retorno à Terra.
Físicos granulares, analisando os dados dos robôs marcianos, construindo novas máquinas de perfuração e lidando com equações, estão fazendo tudo o que podem para encontrar as respostas. Isso é tudo parte da estratégia da NASA para aprender como ir a Marte... e conseguir retornar.
Direitos sobre a tradução em português: www.inovacaotecnologica.com.br
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